26 de mar. de 2019

ELA sempre morou ao lado.

Várias palavras intercalada que definem a violência em português e inglês.

Eu tinha sete anos de idade e me lembro como se fosse hoje, meu pai e minha mãe brigando novamente.
Mas não era apenas uma briga daquelas que ambos alteram a voz, era mais uma briga com agressões verbais, psicológicas e físicas.
Minha mãe mais uma vez era a vítima desta relação marcada por dor e sofrimento.
Ao relatar para ela que estava escrevendo este texto, ela me diz que tudo começou já na primeira semana que meus eles foram morar juntos.
Uma surra de facão sem ter motivo, mas ela achava que pelo fato dele ter me tirado da FEBEM deveria aceitar apanhar.Era como se ela tivesse que ter gratidão pelo que fez por nós. Assim ela seguiu durante anos tendo esta ideia.
Ao ouvir isso, vieram algumas lembranças, como iria esquecer eu era a mais velha dos meus irmãos.
Era eu que ainda criança cuidava dos meus irmãos enquanto meus pais trabalhavam, era eu que limpava a casa, era eu a dona de casa, era eu que ainda ia para a escola o lugar que eu adorava pois lá, eu podia ser criança e não acordar para o mundo real.
Era eu a mulher mais velha a assumir a responsabilidade de ser mulher.
Das tantas lembranças de violência, uma marca mais a minha vida de criança, lembro que meu pai e minha mãe haviam brigado e minha mãe foi embora mais uma vez.
Eu sozinha naquela casa com meus irmãos, olho para o lado e me vejo a responsável por eles e a casa.
Toda vez que isso acontecia, eu sabia que teria que ser a responsável por mais que tivesse a minha vó ali com a gente.
Era se a cada briga deles, eu tivesse que assumir as consequências de mais uma separação, e assim cresci ao lado da violência, tão bruta, deixava marcas na minha mãe e em nós.
Todo fim de semana era um martírio para nós pois eu sabia que vinha as beberagens, meu pai trabalhava sem beber de segunda a quinta-feira. Mas na sexta era o nosso martírio.
Lembro que minha mãe aguentava o máximo até sair de casa e sempre nos deixava, pois, meu pai não a deixava nos levar.
E comigo era sempre complicado pois minha vó tinha minha guarda e ainda era menor, e cresci no meio disso.
Eu cresci vendo esta disputa, ela fica pois eu tenho sua guarda.
Já não nos bastasse toda aquela violência com todos, non ainda tivemos a triste experiência de enfrentar a justiça.
Aquele lugar frio, sem amor onde nos questionavam e perguntavam com quem queríamos ficar.
Lembro cada ida naquele lugar, minha mãe queria que estivéssemos ao lado dela.
Com meu pai passávamos muita fome e ficava na responsabilidade da minha vó ir para a casa dos filhos dela para termos um prato de comida para comer.
Cresci ouvindo um tio meu dizer lá vem aquelas crianças com fome, minha vó tinha vergonha, mas era a única coisa que podia fazer por nós pois muitas vezes meu pai não estava nem aí para nós.
Lembro da minha felicidade e dos meus irmãos quando a mãe voltava pois sabia que estávamos passando fome, era uma felicidade enorme por mais que soubéssemos que seria até a próxima briga.
A lua de mel dos meus pais durava um tempo até tudo começar novamente e nos vermos a minha mãe apanhar mais uma vez, ela nunca apanhou quieta e sempre tentava se defender das agressões que em muitos casos os vizinhos se metiam para salvar a minha mãe da morte.
Naquela época os vizinhos metiam a colher, sim.
Ela sempre morou ao lado da gente, sempre deixou marcas físicas e psicológica em cada um de nós, ela sempre fez parte desta relação que durou longos quinze anos.
Até que um dia minha mãe se cansou de tanto sofrer e resolveu dar um basta, os filhos já estavam maiores, apenas meu irmão casulo ainda era pequeno.
Quando fiquei sabendo, eu estava ao lado daquele que já me violentava psicologicamente e  já dava sinais, mas eu não entendia, achava que era cuidado de quem diz amar. Até porque quem ama, cuida, pensava eu.
Minha mãe deu um basta e eu entrei neste ciclo da violência sem entender, nunca levei um tapa, mas sempre fui torturada psicologicamente por aquele que disse me amar.
Seu “AMOR” me dominava, sufocava, controlava e me vigiava.
Hoje entendo que nunca foi amor o que sentia por mim.
E lá estava ela na minha vida novamente, ela sempre esteve e continua deixando marcas por onde passa.
Uma cadeira de rodas foi o resultado de tudo.Ela esteve morando do meu lado durante longos noves meses, me sufocou, tentou me dominar e controlar.
Cansada dei um basta nesse sofrimento e ela não aceitou o meu não.
Ela nunca aceita o nosso NÃO e podemos pagar por isso.
Após deixar suas marcas no meu corpo e levar aquele que eu queria ao meu lado precisei seguir a vida.
 Meus pais perdidos com o que havia acontecido comigo, tentam  reatar aquela relação perturbada.
Agora eu sendo o motivo de estarem juntos nesta nova fase difícil de minha vida.
Minha mãe tenta ter meu pai ao nosso lado nos ajudando.
Ela acreditava e também se via perdida com o tinha acontecido comigo.
Eu não ia mais andar e usar uma cadeira de rodas, como não iria se desesperar.
Mas......
Um dia antes de irmos de mudança para a casa que era nossa e que ele morava, ele chega bêbedo senta do meu lado, diz que me ama muito e em bom tom me diz:
Tua mãe vai voltar para casa e dessa vez eu a mato, ele sai de novo naturalmente
Eu em choque de ouvir aquilo me questiono como vou deixar minha mãe voltar para cá depois de ouvir isso.
Eu a pouco tinha tido minha vida destruída por um homem para escutar aquilo dele.
Resolvemos sumir do mapa sem aproximação nenhuma mais com ele.
Já com a vida refeita e carregando as marcas que ela deixou na minha vida, certa que jamais passaria por isso novamente.
Ela depois de 10 anos reaparece na delicadeza de um homem, mas em outro texto escrevo sobre.

Foi difícil, entender e aceitar tudo.
Levou um bom tempo, mas pude SAIR......
Me libertei da opressão que ela me causou.
Ela sempre vai morar ao nosso lado e traz seus sinais lentamente e não é uma via de mão dupla pois nos aprisiona e nos domina sem nos dar chance de fugir.
Como fugir se cresci com ela morando ao meu lado a minha vida inteira.
Hoje de uma maneira ou de outra me acompanha dezenove anos, ela marca presença no meu corpo diariamente, me faz lembrar que continua fazendo parte da minha vida.
Ela esta sempre ao meu lado de maneiras diversas.
Ela sempre vai morar ao lado pois enquanto escrevo uma mulher é agredida, estuprada ou morta no Brasil

Ela sempre estará aqui entre nós!

Um comentário:

Agradeço sua mensagem.
Saudações Feministas.

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