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Candidatas se arrumando. |
Larissa Roso
larissa.roso@zerohora.com.br
Professora que enxerga apenas vultos é eleita Miss Brasil Deficiente Visual
A candidata paulista, Karolline Fernandes Sales, 31 anos, recebeu a faixa na noite de sábado
Trata-se de um concurso de beleza para ser admirado com os ouvidos. Responsável pela audiodescrição, Alice Maria Paiva, ao microfone, permite que a plateia, composta emgrande parte por pessoas com deficiência visual, conheça cada candidata que ganha a passarela: detalha a cor da pele, o comprimento do cabelo e o penteado, o corte e as estampas do vestido.
Realizado pela primeira vez em Porto Alegre, na noite de sábado, o Miss Brasil Deficiente Visual 2012 elegeu Karolline Fernandes Sales, 31 anos, candidata de São Paulo, que jamais enxergou nada além de vultos e cores difusas.
Aos 17 anos, Karolline perdeu completamente a pouca visibilidade devido ao agravamento da retinose pigmentar. Professora de inglês em uma faculdade paulistana e pós-graduada em acessibilidade, ela se inscreveu para a seletiva estadual e foi eleita sem competição — não surgiram outras interessadas no título. Em um mês de preparação para a final, promovida pela Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs) no City Hotel, dieta, exercícios e drenagem linfática a fizeram perder cinco quilos. Para não comprometer o visual com traços incertos, decidiu aplicar maquiagem definitiva ao redor dos olhos.
— Olha bem para mim, para a minha roupa, e coloca como se fosse em você mesmo — diz ao interlocutor na hora de escolher a sombra e o batom. — Lamento não poder olhar nos olhos das pessoas e não me ver no espelho. Deus deveria deixar a gente enxergar pelo menos uma vez por mês — acrescenta Karolline, aos risos.
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Da equipe de cabeleireiros e maquiadores aos trajes de banho usados em uma das três apresentações aos jurados, tudo foi possível graças a doações e trabalho voluntário. O Rei Momo Fábio Verçoza, organizador e principal incentivador do evento, passou o sábado de seu aniversário envolvido com os últimos preparativos.
— Vocês foram maravilhosas do início ao fim. Eu disse que não ia chorar, mas vou chorar — anunciou Verçoza, voz embargada, saudado com um Parabéns a Você.
As 16 candidatas, entre 21 e 35 anos, com baixa ou nenhuma visão, adentravam o salão conduzidas por modelos. Organizadores e acompanhantes percorriam a fila ruidosa que se formava a partir da porta.
— Deixa eu ver os dentes — pedia a assistente social Gabriela Mallmann, procurando manchas de batom que pudessem prejudicar o sorriso.
Kelly Cristina dos Santos, 32 anos, estudante de psicologia do Rio Grande do Norte, nunca havia vestido maiô em noite tão fria.
— As pessoas dizem que eu sou bonita. Eu acredito né? Estou me sentindo uma princesa — afirma.
A plateia acompanhava a programação com listagens em braile relacionando os nomes das competidoras. Vibrava e aplaudia conforme os detalhes da audiodescrição e o discurso do apresentador, que informava a idade, a profissão e os passatempos prediletos de cada uma.
— Para Carla, o essencial é invisível aos olhos e só se vê bem com o coração — disse ele enquanto Carla Gomes, Miss Rio de Janeiro, posava para os jurados.
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Beto Pereira, transmitindo ao vivo para a Difusora Jovem Pan, de São Paulo, abordava as meninas no entra e sai do camarim.
— Não estou enxergando a Mirian porque eu sou cego também, mas ela está cheirando a esmalte. Existem vencedores e ganhadores, mas ninguém perde, né, Mirian? — pergunta o radialista para a candidata do Rio Grande do Sul, Mirian Antunes de Mello, 24 anos, que recebeu a faixa de segunda princesa.
Eleita em junho na competição estadual, Mirian tem glaucoma, a mesma enfermidade que acomete seus pais e dois irmãos — Rute, a irmã de 22 anos, também entusiasta dos concursos de beleza, foi escolhida Miss Destaque. Mirian apresentou-se de "Chinoca Valente", trajando um chiripá branco com rendas.
— As pessoas às vezes rotulam a gente. Mas todo mundo tem algum defeitinho, né?
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