24 de mar. de 2015

É hora de rever os seus conceitos sobre os deficientes físicos.

A imagem ilustra cenas mais quentes de posições entre cadeirante do mesmo sexo e oposto.


Mulheres com deficiência sofrem com machismo e ainda se encontram oprimidas pela discriminação sociocultural que as inferioriza e as exclui.
 

ARTUR DE FRANCISCHI
   ARTE:VIC MATOS

Já é sabido que vivemosem uma sociedade que louva um padrão de beleza, reforçado pela grande mídia, inatingível para meninas e mulheres no mundo todo. O resultado disso traz sequelas na autoestima dessas mulheres, que não se enquadram nesse ideal rígido de beleza.

Sua inteligência, suas realizações, seu trabalho e seu caráter pouco valem quando não possuem a aparência cobrada, algo tão doentio e tão propagado. Isso torna a vida das mulheres que possuam qualquer deficiência ainda mais difícil, já que além de não correspondem às expectativas sociais, ainda sofrem com a discriminação sociocultural.

“Viver em uma sociedade preconceituosa desenvolvida pela cultura de massa, onde uma mulher tem que ter aparência da Barbie, leva mulheres com deficiência a sofrerem pela deficiência. Ou seja, não se encaixam nos padrões,” explica Carolina dos Santos, coordenadora do coletivo feminino Inclusivass, de Porto Alegre.

Criado em 2014, o Inclusivass é composto por mulheres com e sem deficiência, que buscam fortalecer a luta pelos direitos e as políticas públicas para as mulheres deficientes. Carolina acredita que elas “precisam ter força de vontade e lutar para enfrentar obstáculos que ocorrem no sistema educacional, no convívio social, no trabalho, nas relações afetivas e nas condições socioeconômicas.”


ACERVO PESSOAL
Mila Correa D’Oliveira é psicoterapeuta e possui amiotrofia espinhal tipo II

A forma paternalista como tratamos as mulheres (e homens) com deficiência em nada contribui para que elas sejam vistas como seres autônomos ou, em outras palavras, seres humanos inteiros, que não precisam do olhar caridoso.

“Esses dias, eu estava conversando sobre meu carnaval, [sobre] as inúmeras pessoas que me param na rua para me ‘parabenizar’ por estar ali, como se eu tivesse que ficar em casa me lamentando. Ou aqueles que vêm me dar um beijo na testa, com olhar de pena, como se eu fosse um ser especial,” recorda a psicoterapeuta Mila Correa D’Oliveira.

“Alguém beija na testa gente com deficiência em festinhas e baladas? Nesses lugares em que todo mundo sai para paquerar, eu pessoalmente nunca fiquei com ninguém, porque é isso que eu recebo: olhares curiosos, tapinhas nas costas, parabenizam meus amigos ‘que bom que você trouxe ela para se divertir’.”

Mila possui amiotrofia espinhal tipo II, uma doença degenerativa congênita que causa a morte dos neurônios motores. São eles os responsáveis pelo estímulo do movimento dos músculos, acarretando assim uma fraqueza em todo o corpo, mas que não interfere em sua sensibilidade e a capacidade cognitiva. Ela acredita que “todas as observações que as pessoas fazem, são geralmente cercadas pelo véu das boas intenções, mas elas não veem que estão fazendo algo errado ao nos tratar como se fôssemos extraterrestres, porque pouco se fala disso,” diz.

“Quando nós apontamos algum equívoco, sofremos um pouco do ‘Ah, mas você está sendo intolerante, ela só quis ajudar’, dificultando ainda mais a conversa e a quebra desses preconceitos.”


Observações são cercadas pelo véu das boas intenções, mas dificultam a quebra de preconceitos.


Para muita gente, pessoas com deficiência existem apenas para inspirar quem não está na mesma condição que a delas, ainda que isso ocorra inconscientemente. Em um discurso para a plataforma TED Talks, a jornalista e comediante australiana Stella Young, explica que pessoas com deficiência são objetificadas a fim de beneficiar outro grupo de pessoas.

Ao mostrar imagens que circulam pelas redes sociais de deficientes com frases motivadoras, diz que “o propósito dessas imagens é inspirar você, motivar você, para então podermos olhar para elas e pensar: ‘Bem, por pior que seja a minha vida, poderia ser pior. Eu poderia ser aquela pessoa’. Mas e se você for aquela pessoa? Eu já perdi a conta do número de vezes em que fui abordada por estranhos querendo me dizer que eles me acham corajosa ou inspiradora, e isso foi muito antes do meu trabalho ter qualquer tipo de visibilidade pública. Eles só estavam meio que me parabenizando por eu conseguir levantar de manhã e lembrar meu próprio nome. E isso é objetificar”.

Essa objetificação acompanha uma série de estereótipos que acompanham a mulher com deficiência, o que as exclui ainda mais da sociedade. “Sofremos discriminação de gênero e sociocultural. O machismo é uma delas porque coloca as mulheres em patamar inferior. A violência contra as mulheres é um exemplo disso. [Há] Também, as desiguais oportunidades de profissionalização, trabalho, emprego etc,” comenta a coordenadora do Inclusivass. “Ademais, existem os estereótipos em torno das mulheres com deficiência, que podem ter uma vida afetiva normal, dentro das suas possibilidades e singularidades. Apesar de sermos vistas, muitas vezes, com olhares piedosos ou preconceituosos, nós podemos sim amar e sermos amadas,” diz.

“Acredita-se que a mulher com deficiência não tenha sexualidade. Ela tende a ser vista de forma infantilizada, a ser protegida e cuidada – esta postura é bastante comum, especialmente com adolescentes com deficiência mental. Outro equívoco é vê-las como assexuadas, que devem ser tratadas apenas como ‘amigas’,” continua Carolina. “Um estigma é de que mulheres cadeirantes não podem ter filhos e que mulheres com deficiência visual teriam um toque mais sensível o que tornaria o sexo mais prazeroso. Precisamos levar a informação a sociedade e desconstruir estes mitos voltados a nós.”


Movimentos sociais precisam incluir o deficiente em suas pautas.

A deficiência não é – ou não deveria – ser um impeditivo para relacionamentos, no entanto, a falta de conhecimento gera um distanciamento entre pessoas com e sem deficiência. “No que diz respeito a amizades, eu particularmente nunca tive problema, mas eu vejo outras pessoas com deficiência relatarem um certo afastamento em alguns ambientes. Em relacionamentos amorosos, considero que seja ainda mais difícil. Devo isso a uma série de estereótipos que colocam em nós,” explica a psicoterapeuta Mila. “Primeiro, a de que pessoas com deficiências são pessoas boas, quase anjos. Geralmente nos veem como seres bons, ‘heróis’ que superam as dificuldades e com isso esquecem que somos pessoas como qualquer outra, com os mesmos sentimentos humanos de dor, medo, alegria, tesão e inveja.”

“Fazem parecer que nossa vida é mais difícil que a de qualquer outra pessoa e que quem estiver conosco, num relacionamento, vai passar privações, tendo que fazer o papel de ‘cuidador’. Sempre quando ouço isso, penso: ‘nossa então quem cuidou de mim todo o tempo que estive solteira’? É claro que, assim como todo mundo, vão ter coisas que nós não podemos fazer, mas isso não significa que nossas vidas sejam esse fardo horrível,” conta ela, revelando que teve dois namorados e também já ficou com outros rapazes.

“Meus namoros me fizeram bem felizes, à época. Tive meu primeiro namorado aos 19 anos e durou 2 anos. Somos grandes amigos até hoje. O outro foi um ano mais tarde e durou apenas um ano, mas também foi importante para o meu autoconhecimento,” completa.


ACERVO PESSOAL
Aline Dias Jerônimo é portadora de mielomeningocele e namora há alguns meses

Relacionamentos são sim possíveis, como é o caso de Aline Dias Jerônimo, portadora de mielomeningocele, um problema na medula que ocorre no primeiro trimestre de gravidez e traz diferentes sequelas ao bebê. No seu caso, ela nasceu sem as cinco vértebras lombares, e com má formação nos membros inferiores. Através de seu primo, ela conheceu Glauber dos Santos, com quem namora há alguns meses.

“Os dois me ajudaram a fazer a mudança quando mudei de casa. Nossa vida a dois é ótima,” confessa ela, que trabalha como técnica administrativa do SENAC de Araraquara. “Um relacionamento ideal é aquele em que duas pessoas compartilham momentos e se sentem bem. Independente de terem deficiência ou não,” aconselha.

O que é necessário é que haja um aprofundamento na questão das pessoas com deficiência, algo que é pouco discutido nas escolas, que deveriam ser espaços de integração, e não de exclusão. “Escolas são inacessíveis e não permitem que crianças com deficiência frequentem o ambiente escolar, fazendo com que crianças sem deficiência não aprendam a lidar com as diferenças. 1 em cada 7 brasileiros têm deficiência. Quantos deles você vê alcançando cargos de professores, juízes, andando nas ruas, no transporte público?,” acredita Mila D’Oliveira.


Um equívoco é ver o deficiente como alguém como assexuado

“[É] Porque essas pessoas estão presas em suas casas pela falta de acessibilidade nas escolas, nos locais de lazer, nos prédios públicos. Isso diminui a convivência das pessoas sem deficiência com aqueles que têm, causando um abismo ainda maior de ignorância acerca de como é nossa vida, nossos anseios, nossas habilidades e nossas preocupações. Se uma criança cresce convivendo com gente com deficiência, ela vai entender aquilo como algo que faz parte da vida, incluir, falar sobre. Não se tornar um adulto cheio de preconceitos”, completa.

Carolina dos Santos, do coletivo Inclusivass, adiciona ainda que “o diálogo pode ajudar, mas não podemos deixar de lembrar que faltam campanhas que abordem o tema e a falta de diálogo entre as famílias também contribui, muitas vezes, para o que é desconhecido. É preciso que a sociedade, em geral, compreenda e reconheça que há um enorme segmento da população que, apesar de ter alguma deficiência, não perde a capacidade de pensar, de trabalhar, de produzir, de criar, de amar, de formar família, de exercer a cidadania plenamente,” diz ela.

“Nesse sentido, é fundamental que as políticas públicas garantam os meios para que todas essas capacidades possam ser exercidas, que a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência seja cumprida e que as políticas nacionais e estaduais sejam implementadas,” finaliza Carolina.

Não só políticas públicas de atendimento às demandas das pessoas com deficiência precisam ser feitas, como os movimentos sociais precisam incluí-las em suas pautas, já que elas estão interligadas. Mulheres negras com deficiência também lidam com machismo e racismo. É preciso que haja a inclusão dessas pessoas, pois é com a difusão de suas vozes que começa a construção de uma sociedade igualitária.

AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL, SEGUNDO O CENSO
Você sabe quantos deficientes existem no país? Você pode não vê-los na rua, mas eles representam uma parcela significativa da população.
AS MULHERES

Representam o maior número de pessoas com deficiência no país, com 25,8 milhões (26,5%) contra 19,8 milhões de homens (19,8%).

A maioria das mulheres com deficiência se declararam da cor preta.

45,6 MILHÕES

É o número de pessoas com deficiência no país, representando 23,9% da população.
A DEFICIÊNCIA VISUAL

É a que mais atinge a população brasileira, com 35 milhões de pessoas, seguidas por deficiência motora (13,3 mi), deficiência auditiva (9,3 mi) e deficiência mental ou intelectual (2,6 mi).

67,2%

É o número que corresponde a população com mais de 65 anos que possui algum tipo de deficiência.

Crianças de 0 a 14 correspondem a 7,5% e pessoas de 15 a 64 anos, a 24,9%.
NEGROS E AMARELOS

Representam a maioria no percentual de deficientes, com 27,1% cada, e os indígenas a menor, com 20,1%.

O contato que tive com diversas pessoas com deficiência, me fez perceber o quanto eu as desumanizei. Ou como dissera Stella Young, o quanto as objetifiquei. Mudar o olhar que temos sobre as pessoas com deficiência é um exercício que precisa ser feito, a fim de que possamos trabalhar em conjunto para transformarmos não só os espaços coletivos em espaços mais inclusivos, mas para transformarmos as relações humanas em relações mais saudáveis.

E isso é possível através da informação e do contato com essas pessoas, mas é fundamental ouvi-las. É importante ter empatia. Elas não são nossas inspirações. Precisamos mudar essa visão capacitista. E precisa ser agora!


Nota: 
Existem vários tipos de deficiências (motoras, visuais, auditivas, intelectuais, etc), o que torna o grupo de pessoas com deficiência bastante plural. Dificilmente uma matéria conseguiria trazer todas elas, sem apagar as vivências individuais de cada indivíduo, afinal, cada um lida com diferentes opressões.



As mulheres neste texto constituem apenas uma parte dessa diversidade de pessoas, e não um todo. O objetivo é ampliar suas vozes, para que possamos, cada vez mais, conversarmos e discutirmos as questões das pessoas com deficiência, fortalecendo assim, a luta por uma sociedade igualitária para todos.
Fonte:http://vestiario.org/

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